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Big Brother

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Numa tarde de muito trabalho, recebi um telefonema e do outro lado alguém se identificava com a expressão mágica: “Aqui é da produção da TV Globo”. A moça era simpática e objetiva. Quis saber se eu era de fato padre católico e qual era minha opinião sobre alguns temas polêmicos como o aborto e a contracepção. Eu confesso que fiquei emocionado. Sou jornalista profissional e fiz minha especialização em comunicação, conhecendo os meandros do mundo televisivo, e sei do poder de uma hecatombe presente numa rede nacional de televisão. Havia feito a inscrição pela internet e estava convicto de que o resultado, qualquer que fosse, seria interessante. Conversei sobre o assunto com algumas pessoas que, como anjos, haviam me dado a oportunidade de receber aquela ligação. Fui para o Rio de Janeiro para os testes e entrevistas. Havia lido “1984”, de George Orwell, nos tempos em que estudei filosofia pura, e guardava comigo a aterradora projeção da presença de um olho invisível do governante que controlava tudo e todos o tempo inteiro.
A minha chegada ao aeroporto Santos Dumont já me introduziu no universo do revolucionário livro escrito nos férteis anos 40. Não encontro ninguém com cara de que era funcionário da Globo. A instrução que recebi era de que eu não iria reconhecer mesmo. Eu seria abordado por alguém que iria me chamar pelo nome e deveria me conformar em apenas cumprimentá-lo. A funcionária que me deu as instruções ainda recomendou que a ninguém eu revelasse que havia sido pré-selecionado para o programa. Comportei-me conforme as orientações e em meia hora estava eu confortavelmente instalado num hotel de luxo em Ipanema. As entrevistas foram interessantes, considerando que simularam situações curiosas, pedindo que eu contasse qual seria minha reação. Continuava encantado com a idéia de poder exercitar com um grupo de estranhos um delicioso programa de resgate da espiritualidade do cotidiano.
Sonhava em poder realizar uma rotina de vida que pudesse ser uma verdadeira revolução: vigiados por câmeras que nos iriam perseguir por todos os ângulos, daríamos o testemunho de que se pode fazer do convívio, mesmo isolado, um clima muito produtivo e feliz. Imaginava que poderia executar as tarefas domésticas em harmonia, enfrentar os conflitos com dignidade, criar situações lúdicas e intelectuais que favorecessem o aparecimento da riqueza interior de cada um dos habitantes da casa eletrônica. A entrevista com o psicanalista me sinalizou que eu já estava fora da história. Freud é implacável. Indagado sobre meu maior medo, respondi prontamente que estava apavorado com a idéia de prejudicar a Igreja com a minha participação. Temia pelo que poderia ser feito do que eu fizesse naquela aventura. Era um medo real, porém não me imobilizava e eu insistia em seguir o comando, ficando trancado dentro de um quarto e respondendo às ordens da produção. No final do segundo dia, juntamente com mais seis candidatos, fui comunicado por uma doce menina de que, apesar do fato de a equipe nos ter considerado “ótimos”, estávamos dispensados. Numa palestra rápida, ela nos disse que o programa era uma fórmula bastante clara e que procuravam perfis definidos.
Nós, os membros daquele grupo reunido, não nos encaixávamos nos tais perfis. Aí acabou a minha chance e começou a crescer a idéia deste livro. O reality show é uma receita. A vivência do cotidiano é uma arte que merece o carinho e a delicadeza que a receita não contempla. Realizado, todo programa televisivo desse gênero, na minha opinião, comete uma série de traições ao modo de viver o dia-a-dia. Quero tratar dessas traições. Recolhi provocações de todo tipo durante todo o período que a primeira edição do programa foi ao ar, e, a partir delas, apresento pílulas de reflexão com o intuito de favorecer um aprofundamento duplo: de um lado, a compreensão menos ingênua desses produtos que infestam os meios de comunicação do planeta, no enxame dos chamados espetáculos da realidade. Por outro lado, gostaria de contribuir para o despertar do enorme potencial de realização e felicidade que há em cada faceta do dia. Há uma verdadeira alma de cada jornada que requer um tratamento transcendental, terno, desarmado. As traições cometidas pelos programas de televisão podem ajudar-nos a compreender com maior clareza as traições que cada um pode estar cometendo em sua própria caminhada de vida. O livro não é moralista, é propositivo e aberto.
O ponto de vista é essencialmente jornalístico e a intenção de apontar perigos espirituais nasce exatamente do que considero ser minha missão maior nesta vida e razão da minha consagração. Compreendo, no entanto, que o resultado pode não parecer tão distinto. Não há problema quanto a isso. O livro é fruto da vontade de aproveitar uma oportunidade rica na qual estive particularmente envolvido: um fenômeno que tem chamado a atenção do mundo da comunicação de massa.

 

EditoraSantuário
AutorRafael Vieira Silva
FormatoPDF
LeitorDrumlin Security
ImpressãoNão permitida
SeleçãoNão permitida
FreteR$ 0,00 (Download imediato)

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Rafael Vieira Silva

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